FRANCISCO PABLOS

NEO-EXPRESSIONISMO CLÁSSICO

 Rostos indeterminados, figuras meramente esboçadas, objectos comuns em vistas sinópticas, ambientes abnegados em carmins, vermelhos, pretos violeta. Mais que formas, silhuetas. O concreto torna-se inadmissível, desgasta-se e dilui-se em transparências de verdes frescos, quase húmidos, associados a amarelos semelhantes a reflexos de um sol imaginável. Geometria de esferas, cilindros, cones, delineados a traço firme e contrastante.

 CARMEN TOUZA é a paixão reprimida. A pincelada vigorosa, quase agressiva, sim, mas reflectida. Porque nesta pintura nada é improvisado. Pelo contrário, tudo é meditado, ensaiado mentalmente, imaginado no seu resultado final, antes de alcançá-lo, em execução, essa sim, rápida, decidida. Comporta-se como um acrobata, que numa pirueta de risco, de corpo limpo, esconde horas e horas de ginástica e treino.

 Isto leva-nos a uma expressão inovadora que tem as suas raízes nas escolas germânicas antes da guerra, mas que também participa da litigante evasiva francesa que chega até Vuillard e sobretudo ao inefável Matisse, tão pouco e tanto, verdadeiro criador de mundos.

II

 CARMEN TOUZA exibiu a sua pintura pela Galiza, por Espanha, e pelo mundo adiante, em Itália, Portugal, Alemanha, Áustria, Estados Unidos. E, em menos de uma década, tem uma assinatura de prestígio num país como o nosso, pródigo em pintoras, algumas relacionadas com a sua estética, como a recentemente desaparecida Maria Victoria de la Fuente.

 Vital, expansiva, precisa no julgamento, por momentos sonhadora. Absorve-se a escutar um orador cujo discurso lhe interessa. Sabe muito bem o que faz e mais ainda, o que lhe falta fazer. Tem uma paleta quente, um olhar radiante e um espírito de orquestra, de tal modo que dota a sua pintura de algo sinfónico, mozartiano, com um grafismo cromático que vai do traço preciso à mancha espontânea, directa. São as cores, fundindo-se com o suporte, que ditam o passo final. E assim consegue essas texturas descuidadas, ao contemplá-las, algo como o toque inefável do veludo, agradável e perturbador ao mesmo tempo, assumindo que o olhar possa comportar-se como a mão acariciando o que o atrai.

III

 Não procura beleza. Na verdade rejeita-a intimamente, porque estamos perante uma pintora completamente afastada da tópica, e felizmente esquecida, pintura feminina. “Barroquizada”, quando assim o deseja, mais perante a sua natureza morta, os cultivadores tradicionais do género, desde Arellano aos flamencos do século XVII, sentir-se-iam inquietos e talvez até, horrorizados. Longe de qualquer preciosismo, esboça simplesmente, de forma indefinida, porque pode permitir-se essa liberdade, alcançando resultados de vitalidade exultante, atraente, sem necessidade de untuosidades ou recreações inúteis.

 Para CARMEN TOUZA, o nu é pouco mais que uma silhueta, e o que lhe interessa é o clima alcançado a partir desta síntese deliberada, quase monocromática e muito expressiva. O que não a impede de chegar a uma intimidade agradável na qual se insinua (se não completamente presente), uma ternura intimista, tão ingénua, na linha que deu personalidade a Maria Antonia Dans, um nome só comparável circunstancialmente com a nossa artista.

IV

 Revendo o seu trabalho apenas nos deparamos com um problema exterior. Isto porque as suas raízes impressionistas, completamente superadas, a levam ao conhecimento de que a pintura não é o que se pinta, mas como se pinta. E a obrigação que o artista tem de abstrair a realidade, de reinventá-la, talvez se alcance melhor partindo de interiores imaginários, nos quais a figura humana, sempre do sexo feminino, se vê rodeada de flores, objectos e mil bugigangas conseguindo contrastes tonais surpreendentes, talvez arrancados de professores que viu e que ainda estão activos no seu subconsciente, que não pode identificar com clareza.
E isso pode ser a nomeação de uma lista quase completa que chegaria a catalães como Rogento ou galegos como Barreiro e, mais ainda, a Boteloo, o discípulo directo de Gaughin de quem Carmen Touza não pôde ver quase nenhuma pintura.

 A perspectiva tradicional desaparece nesta pintura. Mais do que distâncias imaginárias para dissimular a terceira dimensão em apenas duas, há termos que se verticalizam, se fundem deliberadamente para que o quadro fale, grite melhor, na sua cor exultante. E di-lo, também em formatos pouco frequentes, grandes, quase enormes, a partir de hoje habituais, porque é uma pintura que necessita respirar, expandir-se, desfrutar da sua própria frescura duradoura, fazendo o público desfrutar dela também.

 Se o artista pode e deve responder em tempo útil, a pintura de CARMEN TOUZA, sem necessidade de vanguardas marcantes, no fundo efémeras, responde à melhor tradição e é absolutamente presente; hoje, amanhã, com, apenas, um toque histórico de ontem.

Francisco Pablos